sábado, 7 de novembro de 2009

Missa de Domingo

Não acredito em deus.

Inda ontem era menino
e era meu momento de glória
passar o cesto de ofertas ou badalar o sino
da Nossa Senhora das Vitórias.

Mas não tinha catecismo nem direito à eucaristia
e como era glutão, desde a saída pecador,
pegava a pensar em bolacha Maria,
mesmo nome da mãe de Nosso Senhor.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Modinha: da relação narrador puto/personagem encantado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo. (Adélia Prado)

Queria ver louro cantar.
Depois de assistir o sumiço da goiaba deglutida num átimo, colocou o bicho no ombro, ao invés de velha o menino, e menino é gente de pouco tino e muita invencionice, via pirata - a barba era o pelo da berruga que dava volta formando cachinho, "pimentinha do reino!". Queria ver o louro cantar a musiquinha da campanha do Davi Chagas que "dessa vez havia de ganhar", fazia a velha com fervor de quem tinha política por lúdico, esporte e recreação
Era politiqueira de marca maior, todo dia dava uma esticada até o birô, levava café com peta, leite tirado na hora com biscoito frito, pão de queijo de forma com chá de erva cidreira... Sua dedicação, digna de elogio, era antes motivo de troça de Quinzim que não era sovina, mas deu de reclamar: "Ah, bão! Vira caba eleitoral ou então casa logo com o homi". Ela que era dada ás palavras replicava violenta, bem do seu jeito de falar toda hora de todo dia:
- Seu cu, Quim! - e esquecendo o velho e dirigindo a conversa pro menino que era ouvinte paciente e empolgado - dessa vez vai, Tindola! Cumpade Davi vai ganhar, num vai ser que nem da outra votação que ele já tava campeão e robaro de avião as urna do Novorizonte. Cumpade Davi é homi bão, vai babar de ri condo vê o loro cantar a música.
O menino saia e voltava com a viola de ti Zico e com seus dentes risonhos dava início a sua fala curta que terminava quando mal começava:
- É que nem Bejim Doce, né Dona-Mãe?
Ela não se ocupava de ouvir aquilo, que mais que pergunta era afirmação, e falava o que vinha no boca, porque não era mulher de dar vez ao silêncio do pensamento:
- Se não fosse ucê feio até o chão em volta e preto que nem tição te deixava cantar, porque cumpade Davi gosta de loro e de crionça. Mas com essa feiura cumpade Davi vai ingulir o fôlego.
- Mas menino, fica aí cherano o cu dessa véia desgraçada em troca de desfeita
- Lá envém Quinzim metê o nariz donde num é chamado. Finge que num tá ovino e toca
 - Adispois o Davi é muita mais feio que nois tudo junto. A cria dele e a cria da cria dele é uma gentaiada branquela que amarga. O menino da Cida, fia dele, pega onça c'a mão, veve em riba dos palanque, com aquela cara de joelho, apertando o oio pra espiar o longe - e rindo com os ombros e com cara de certo de desprezo - Ela num te acha bonito  porque pra ela só é bunito quem é branco que nem ela pensa que ela é. 
- Arreda, Quim, que fragelo!
- Seu cu , Santana, seu cu!
- O seu que é mais preto - e Quinzim nem ouvia, era mestre em deixar Santana falar com as paredes. Dessa vez só abriu os ante-braços girando as mãos como quem tem atestada sua tese.
E o menino dava acabamento àquele fim de discussão, batia os dedos pretos, finos, longos e lindos nas cordas, cantava com sua voz fininha a letra original daquela modinha de amor, que outro tipo de modinha não cabia, não cantava o momento, não dava sentido, não servia...

Amor segundo H. M.

marielhemingwayemmanhattan