sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Quero ser margem esquerda,
baixo corpóreo e lado b
Ser assado ou não ser.

sábado, 13 de agosto de 2011

Caderno de Poesia - Unaí, 1º de Abril de 1996 - V



Há quem cultive amor na solidão e quem acredite que felicidade só existe compartilhada
eu já dei boa noite pra televisão fiz serenata pra cachorrada e batizei cafeteira de 110 volts com nome de feminista existencialista
mas tive pena ao ver a costureira desamada de minha prima Juvena a noiva interiorana engravidada
o nome dela a costureira é Maria e a vida inteira fez vestidos de noiva enquanto em seu rosto o tempo cristalizava a infelicidade da solidão.
um dia me fiz Noiva por etnografia e procurei Maria meu estudo de caso
ela me mediu inteira: punho pescoço braço e bacurinha e me disse maquinal que eu faria muito feliz o noivo que não existia
voltei lá vezes mais e na quarta ou na terceira Maria me vestiu num emaranhado de tecido alvo anilado engomado e garboso 
nesse dia Maria me espetou um alfinete na prova me transmitindo seu vírus do sem-par
entendi na hora a infecção que tomava meu sangue e meu destino e louca de tédio ganhei a rua empacotada num vestido de noiva semi acabado sob um sol a pino que me deixava com consistência de assombração
desci sonâmbula para a boca da ponte onde pude ver aqueles rostos ribeirinhos que com meu rosto já teve alguma parecença que perdi na inexpressividade da cidade grande no cientificismo e no excesso de maquiagem
certa de que só seria e que sendo só jamais encontraria grandes pazes tomei o acesso pro rio me entreguei às águas me abracei à morte tal e qual à personagem a quem sempre questionei a força da feminilidade
Já agora não sinto medo de ser só
porque só agora não sinto porque só agora não sou

Caderno de Poesia - Unaí, 1º de Abril de 2001

Na esquina o vento soprava, mas quente...
Fiquei por horas sentado no alpendre esperando que com o vento a folha da samambaia me viesse roçar a nuca.
Teve hora que olhei para rua, vi a noite inteira e clara.
E vi Reginaldo debaixo de um poste
 com a lâmpada apagada pela crise energética.
Era menino ainda,
a rodar o braço tendo entre os dedos um bombril em chamas.
Aquele Reginaldo àquela altura já era ruim,
sempre foi o que é, é bem verdade,
já tinha essa obsessão terrível pelas meninas mulheres,
e compunhas cartas de amor escritas em jejum que escorriam sangue.   

Coincidência ou não,
vi abaixo, vindo comendo feliz da venda, Vanny,
linda, com um colado short cor de pele,
mas não da sua pele,
marcando as celulites e evidenciando o balanço das suas carnes gordas,
o ritmo das burlesco das curvas absurdas.
A presença dela toda brilhava feito inox,
roubando da lua a luz que a lua roubou do sol...
Como dói essa lembrança!  
Se tivesse herdado da minha mãe as faculdades  que ela herdou da minha vó,
eu diria:
- Vanny - e olhando de novo pro menino  e o bombril -
mulher, se contenha, contados estão os dias seus!

Caderno de Poesia - Unaí, 1º de Abril de 1996 - II

Tema: O Retorno do Jedi

O bom filho a casa torna...
Qualquer dia ela retorna
e, com cara de tacho, sentará à cabeceira de dona Vicentina
e antes mesmo de dizer "voltei!" perguntará:
- novo, esse lençol?

Caderno de Poesia - Unaí, 1º de Abril de 1996

Alguém conhece o sentido de parlenda?
Linda essa palavra!
me encantava por seu som sem significado
eu que sempre me esquecia de consulta-la lá no dicionário...
Agora sei:
é aquele amimetismo que só serve a rima
Por rima tanta gente morreu
tanto holocausto se deu
tantos classicistas tombaram tantas vezes
por descrença e tuberculose.
que conste então,
não na certidão mas no epitáfio:
ele que certo dia rebateu não com jambolão
morreu esmagado pela rima toda do mundo.
seu nome não era Raimundo,
jamais buscou por solução...

sábado, 30 de abril de 2011

potlach (em construção...)


Plano e contra-plano
Plano:
Não se sabe o dia. Sei que era dia em que as forças ocultas vagam por aí. Essa coisa de forças ocultas: a hora da Virgem e a hora do cão, sei não... Sei que era dia de semana, dia útil, pelo vitror vi gente sair pra trabalhar.
Em casa de dona Orotilde há telefone desde noventa e dois. "Batalhadora como ela só!" cortou um dobrado pra pagar a linha, depois aquele negócio de vender as ações, mas por fim um bem, que se somaria dois com a casa, que era único bem até então... Único bem a casa era, único bem se sustentou. Com as privatizações, a linha telefônica, como o iogurte e o aparelho de televisão perderam seu valor, tudo tão comprável em poucos centavos, em poucos reais...
Cá na rua tem uma viúva, minha personagem principal, sou narrador onisciente de personagens muitos inocentes, tradicional, tradição é tudo e coisa e tal... Pois é, cá na rua tem uma viúva que botou telefone fixo tem menos de mês, comprou um aparelho vermelho, porque nem a pobreza, nem o abandono ou mesmo a dor lhe roubou o cuidado que sempre teve com a “estética”, palavra que ela gostava, que pra ela tinha cheiro bom de óleo de peroba e cor de madeira de lei.
Doméstica fichada carregava uma alma de rainha dentro de si. Tinha muito cuidados com as concordâncias, com os tempos verbais, muito cuidado com o social. Aquela que é preta, poeta, macumbeira e líder comunitária... Mãe, era também mãe, três filhos todos com nome de poeta: um com nome de parnasiano que fazia sucesso na segunda divisão, outro com nome de modernista que vinha alfaiate desde os dezesseis e, por fim, um com nome de romântico que estudava o segundo grau...
Era viúva, dividida entre a política e a religião - a poesia e a maternidade é demais para uma mulher só - essa coisa toda de quem não tem um teto todo seu e ainda assim se desdobrava, criava os filhos, os seus e o da professora doutora, e não dormia para fazer poesia... Naquela semana com o tempo que sobrou comprou um aparelho de telefone, vermelho, o mais bonito, com o qual ela não podia à vista, mas que parcelou. Não levaria nada que não fosse realmente belo pra debaixo de seu teto. Um todo decorado, com penduricalhos, mensageiros dos ventos, fotos dos filhos, de santos, deuses, preto-velhos e orixás emolduradas nas paredes, mesa com tampo de mosaico, paredes pintadas cada qual de uma cor, cores fortes: Taj Mahal de rainha maravilhosa, viúva de homem fraco que tombou à caminhada...
Contra-plano:
Cidade cá, cidade lá. A cidade lá é um condado, meu bom e meu velho, eu e a gente como eu só entramos lá pra trabalhar. É assim desde quando era ela uma grande cidade em construção, como o mundo inteiro foi por seis dias. É assim desde quando se inventou essa cidade cá, inventada pra ter pra onde botar eu e gente como eu. Cá sim é onde se prevalece o maisvida, onde as pessoas quando são felizes, e é raro, mas quando são, são por inteiro e não pela metade... Na cidade cá as coisas meio que correm às claras, cá bandido se veste de bandido e só falta usar crachá. Certo dia, na televisão, uma dona que falava bem disse: tá mudando pros de baixa-renda. Tá!
Lá na cidade acontecem coisas estranhas e engraçadas, lá na cidade sim, os bandidos de lá usam crachá e usam gravata, bolsa cara e sapato com... Engraçadas pro outros, pra mim não, não vejo graça... Via tudo pela televisão, e tudo foi me deixando triste e fui ficando sem brilho e um desgosto permanente tomou conta de mim... Vendi a televisão! Deixei também o mundo pros que têm mais estômago, esôfago, fígado e outras proparoxítonas mais dentro do corpo. Dentro de casa, eu que só saio pro banco, uma vez por mês, pra padaria uma vez no dia, fico vendo o mundo emoldurado no meu vitror... E publiquei coisas aí, deu muita repercussão porque publiquei depois dos 50 e porque tudo que escrevo é triste e a gente deprimida, quase toda gente, tem costume de gostar. Gostam de mim, gostam de mim e me têm por ermitão, misantropo, gostam disso. Já vi jovem de cara fresca feliz por me ver aparecer na janela, como princesa do Pavão Misterioso, e porque sem o que dizer, troquei com ele meias palavras rápidas.
O povo acha que é por sensibilidade que me retirei. Talvez seja, mas me guardei por não suportar. No pouco que me abrir essa semana descobri a mulher, que me inspira pra segunda mulher do conto, desse aqui. Mulher da lei, sed lex, que ganhou dinheiro naquela transação, culpada maior pela minha reclusão, me embrulha o estômago pensar. Os vídeos vieram a público, ela ficou famosa, por salafrária que é, a desgraçada. Se é mãe, não sei, aqui é, processo-produto, mãe de três. Um dia ela acordou com os gritos da filha, menina que tentava ser bonita, mas não era porque te faltou um pouco de beleza e muita simpatia, ao interfone gritava que não, que não era lá, que ninguém nada tinha feito e que deixasse em paz a família. Abraçou a filha, estava orgulhosa, a menina chorava, guardava em algum lugar algum princípio, sentia vergonha, tinha deixado de ir à escola, impassível ao pedido de algumas amigas, que pediam que voltasse, não lhe imputavam culpa, seria incoerente depois de tantas juras de amor. Só depois que passa a adolescência que se descobre o peso dessa palavra e de tantas outras... Estava vendo a mãe ali, sofrendo todo e qualquer tipo de especulação e já fazia tempo que a mãe se comportava diferente.
A filha não sabia, mas é que a mãe tirou uma idéia de um Shakespeare que leu. Chamou um amigo psiquiatra pra que esse, como um professor minucioso de teatro, te ensinasse a proceder como uma louca, dessas que comem cocô, rasgam dinheiro e jogam pedra em avião. Ela tomou em dois dias a lição e, na forja da necessidade do momento, se fez pinéu, louca de amargar. Uma loucura tudo isso, não? E se portava como louca até na intimidade com marido, uma louca conduta sexual de arder o quadril do marido e lhe derrubar os o circunflexo dos pêlos e pelos também, e louca com os filhos se portava, mas só com os filhos e ninguém mais, sua máscara caia, havia alguma humanidade, e deitava a mão na cabeça dos filhos e beijava as três testa com um carinho natural. É natural. Sei não, desconheço amor filial, cresci só, só hei de morrer, não quis botar ninguém no mundo, já entendia das coisas da dor, cresci só. Mas pode tão bem forjada sua farsa, mas vinha por terra na relação com a prole. Me arrisco de novo, já há por aí, um séquito que considera machista essa minha falta de referência, mas outros todos me perdoam pela falta de sentindo e pela falta de formação formal e informal

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Poética nº 1

Tenho sentido
sim,
tenho,
tenho sentido.
B. , a euforia em matéria,
disse-me certa vez
que há certa burrice
no uso de locuções verbais.
Eu não creio nisso,
falo (barra) escrevo
como sinto
e se me sinto acuado
digo que sentido é verbo
mas também substantivo.
Tenho sentido, porra!
Com isso digo
que sou significado!
sou substantivo
e sou significante...
Mas também tenho sentido, Cristo!
E sentindo me substantivo...
E que dizer do que sinto
nessas tardes de sábado
em que sentir
é forma-conteúdo do acolá e doravante?
Não,
não digo nada, não.
Se sinto
é porque sentir é definitivo...

Tenho Dito!